segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

O Caderno Rosa de Lori Lamby: Pornografia e Erotismo na Sociedade do Medo (por Luiz Otávio Tal)


Uma linha muito tênue perpassa os conceitos de erotismo e pornografia, ainda mais se lançarmos estes significados junto ao contexto artístico. De Duchamp à Da Vinci o “valor arte” é tão abstrato que não se apega a pré-definições. Partindo do princípio de que o objeto artístico emana de uma variedade de possibilidades em expor a consciência, não há então um padrão estético definido e nem mesmo inferioridade entre erótico e pornográfico. Ambos os segmentos possuem igual valor, expressando cada qual, necessidades diferentes.

A grosso modo poderíamos traçar pornografia na arte como uma obra desprovida de sentimentos e emoções que desenvolve no receptor o desapego dos juízos morais. É o erotismo levado ao extremo. Deste modo, erotismo é uma manifestação mais “branda”, pois consegue estar em toda parte, se valendo por máscaras, disfarces e assim burlando limites e garantindo o despertar de um sentimento que não se pode escapar por mais rígidas que sejam as regras. Sendo assim, os conceitos se assemelham na medida em que, de modo explícito ou velado, trabalham com a irracionalidade, ou seja, antes de qualquer impulso a arte pornográfica ou erótica irá desperta uma sensação de desejo, de ligação ou sedução.

Pincelados superficialmente os conceitos, cabe uma análise do objeto que nos despertou todo o questionamento. “O caderno rosa de Lori Lamby”, escrito por Hilda Hilst, é uma curiosa literatura na medida em que coloca em choque idéias já definidas. Trata-se de um livro pornográfico ou erótico? Não é uma coisa e nem outra. E durante muito tempo permaneceu indefinida devido à hipocrisia de uma sociedade que apesar de produzir obras deste tipo, não pensa duas vezes em condená-las.

Hilda Hilst, de maneira inteligente, costura ambos os conceitos em sua obra literária. A todo momento se percebe uma disputa entre o erótico e o pornográfico. Ao ler o texto a mente humana trabalha com o modelo do Revirão. Cunhado na década de 80 por MD Magno, o conceito se refere a um padrão de funcionamento da mente humana que engloba polaridades distintas, ou seja, se pensamos na obra como explícita, o avesso também é pensado, uma vez que a ingenuidade permeia toda a construção.

Ao trabalhar com dois pólos, a autora segue a estrutura clássica da literatura pornográfica: A narrativa é permeada de imagens ingênuas do sexo, uma vez que é narrada por uma criança, interrompida pelo “caderno negro”, que escracha de maneira realística o sexo. A partir de então o leitor toma consciência do obsceno e o choque só é abrandado nas resoluções finais.

E a excitação? Esta é a função do caderninho de Lori? Não. Pornografia não é feita com a intenção de excitar o receptor, isto é uma conseqüência que leva em conta o contexto de cada um. As experiências não são pornográficas, apenas as representações que fazemos dela. Por isto a dificuldade de taxar uma obra, pois se para uns atenta contra a moral (principalmente se levarmos em conta que Hilst trabalha a questão da pedofilia), para outros é apenas a descrição de atos banais do dia a dia, como escovar os dentes ao despertar.

O fato é que literatura deste tipo deve ser encarada com a seriedade que demanda. Toda hipocrisia construída por meio de uma “sociedade do medo” deve ser deixada de lado, para que então o receptor absorva o conteúdo sem qualquer tipo de condenação

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