domingo, 10 de fevereiro de 2008

Da coxia ao camarim: nos bastidores do espetáculo do tempo (por Luiz Otávio Tal)

“Você acha que nós estamos enganando a natureza? Do jeito que ela tem nos tratado, não me importo de enganá-la um pouco”. Benjamin Luckett – Cocoon


Wilford Brimley no set de Cocoon: inconformismo na terceira idade. (Foto: Divulgação)O inconformismo do personagem, vivido pelo ator Wilford Brimley, está cada vez mais em evidência nos dias atuais. No filme, Benjamin tenta driblar o envelhecimento ao ser convencido, por um grupo de extraterrestres, a passar uma temporada no espaço sideral. Ficção à parte, mesmo com os meios de comunicação divulgando ideais de comportamento, os idosos hoje pensariam duas vezes antes de aceitar uma proposta dessas.

Para a integrante do núcleo de atividades da Associação Municipal de Apoio Comunitário (AMAC), em Juiz de Fora, Ivanilda de Souza, a velhice é apenas um estado de espírito. “Às vezes vejo senhoras que estão doentes em cima de uma cama porque se entregaram. Antigamente as vovós ficavam só fazendo crochê na poltrona e hoje em dia não. Todos estão muito ativos. Estou com 74 anos, mas não me sinto velha”.

Uma realidade idosa


Nos dias atuais, os meios de comunicação desempenham um papel fundamental na construção da imagem social. Por meio da TV, do teatro e do cinema, mensagens são emitidas a todo o momento, alterando o modo pelo qual as pessoas se relacionam, podendo criar, às vezes, um abismo entre gerações.

De acordo com o censo realizado no ano 2000 pelo IBGE, cerca de 15 milhões de pessIdosos assistem peça de teatro no Pólo: 10% da população no Brasil está na faixa dos 60 anos. (Foto: Raphael Carvalho) oas no Brasil já estavam na faixa etária dos 60 anos, o equivalente a 8,6 % do total da população. Hoje este número já está na casa dos 10%. Ainda assim, esse contingente, na maioria das vezes, revela um tratamento estereotipado por parte da mídia.

Por outro lado, ainda segundo o IBGE, os centenários no Brasil, que somavam mais 13 mil em 1991, ultrapassaram a casa das 24 mil pessoas no ano 2000, ou seja, um aumento de 77%. Assim, apesar de toda uma cultura de valorização da juventude, se percebe que a realidade está mudando de cena.

Pensando a sociedade

Para a assistente social da Casa de Cultura Centro Geracional Pólo Interdisciplinar na Área do Envelhecimento, Josimara Delgado, mesmo com o aumento da população idosa ainda é difícil encarar a velhice. “Envelhecer é uma coisa complicada, porque a juventude é um valor muito forte dentro da sociedade e a gente sabe que a idade ainda acarreta em um desligamento das redes de participação social das pessoas”.

Maria José Sinhoroto: a mídia deve ser usada como uma arma. (Foto: Raphael Carvalho)O problema se agrava quando se percebe a escassez de obras cinematográficas ou teatrais, que tratem a terceira idade como tema central. Geralmente, o idoso representa o papel de menor destaque nas produções, muitas vezes abordado de maneira caricata e restrita. A coordenadora executiva da AMAC, Maria José Sinhoroto, acredita que os meios de comunicação são armas úteis na divulgação do respeito, contudo, ela entende que a ferramenta tem sido pouco usada neste sentido. “A mídia continua a discutir pouco a questão da terceira idade. É preciso pensar na necessidade de se divulgar permanentemente, porque a mídia é um aliado. É através de um rádio, por exemplo, que vai chegar ao idoso lá da periferia, que não sabe ler, a informação”.

E é preciso também encarar com o espírito crítico os poucos espaços que se abrem com o objetivo de repercutir a questão do idoso. Até mesmo a opinião de especialistas deve ser encarada com ressalvas, como explica Josimara Delgado. “Todas as imagens sociais que se pretendem universais não estão inócuas. Ao mesmo tempo em que elas protegem o idoso, criam um sujeito social. Neste sentido, o termo terceira idade é uma invenção”.

O teatro dos vampiros

O teatro comercial ainda é um meio de comunicação restrito à elite. Sua estrutura demanda muitos investimentos, o que encarece o preço dos bilhetes. Contudo, a produção de peças no Brasil permanece muito ativa. Em termos comparativos, basta perceber que o número de espetáculos em cartaz é comprovadamente maior do que o número de filmes nacionais nos cinemas. Ainda assim, as tramas refletem pouco os problemas da terceira idade, como conta o responsável pela oficina de teatro do Centro de Convivência da AMAC, Marcelo Jardim. “No teatro em geral, os idosos não têm muito espaço. O teatro profissional segue a mesma linha da televisão. Eu quase não vejo idoso no elenco de uma peça”.

O teatro educativo ou pedagógico é a saída para este problema. Para a terceira idaFim das atividades: a oficina da AMAC conta com elementos da psicoterapia. (Foto: Luiz Otávio)de, estas oficinas funcionam como uma terapia. Por meio do teatro é possível desenvolver a memória e aprimorar as atividades motoras, que são fundamentais para o bem-estar. A oficina da AMAC, em particular, conta também com os princípios da psicoterapia. Formado em psicologia, Marcelo conjuga o ator e o terapeuta para extrair um melhor desempenho de seus alunos. “É uma idade que tem limitações, contudo eu não tenho do que reclamar. Eles têm uma generosidade muito grande em relação à arte”.

A maioria dos idosos que procura o teatro já traz o desejo pela arte desde a infância. Como na década de 30 era quase impossível seguir carreira, eles acabavam abandonando o sonho. Outros procuram o Centro de Convivência para conseguir superar algum trauma. Ilda Paiva, de 77 anos, chegou à oficina após perder a filha. “Vim para AMAC lá embaixo. Perdi uma filha de 39 anos e não foi fácil, mas hoje eu sou outra pessoa. Tenho uma vida ativa”.

Cinema, aspirinas e urubus

O cinema, ao contrário do teatro, oferece preços mais acessíveis. No entanto, a grande maioria dos idosos não se sente confortável devido à longa duração dos filmes ou, então, têm dificuldades em se locomover até as salas, que não costumam oferecer acomodações adequadas. Este desinteresse, por parte dos idosos, só tende a aumentar, na medida em que cada vez menos se vêm retratados na telona.

O papel do cinema tem um impacto muito grande na sociedade, contudo, no Brasil este papel ainda é pequeno. Há poucos filmes sendo produzidos, se comparado à indústria americana, e os que chegam ao mercado dificilmente conseguem se firmar frente à política das salas de cinema no país, que valoriza muito mais o produto importado. Ministrando a disciplina Documentário em TV pela faculdade de Comunicação Social da UFJF, Cristiano RodriguesMaria Helena: desinteresse pelo cinema. (Foto: Raphael Carvalho)erença. “Até houve um avanço neste sentido, porém o idoso, na maioria das situações, é pouco discutido e quase nunca mostrado. Enfim, em determinadas questões ele está completamente invisível”.

Tanto descaso afasta os idosos em torno da discussão. Aluna do Pólo desde 2000, Maria Helena de Carvalho, de 68 anos, admite não se interessar pelo cinema. “Sobre filmes eu não posso comentar, porque francamente não os vejo nem em casa e nem nas salas de cinema”. Já o membro do grupo Teatro Alternativo da AMAC, Jorge Mizael, de 77 anos, se afastou do cinema por outros motivos. “Eu gosto mais dos filmes antigos com Ginger Rogers e Gene Kelly. Hoje o cinema mostra muita violência e preconceito, ensinando quem assiste a agir da mesma forma”.

Deus (apareça na televisão)

A TV no Brasil é, comprovadamente, o veículo de comunicação que funciona como referência no dia-a-dia das famílias, tendo uma influência tremenda em cima de tudo o que transmite. De acordo com o Ministério da Educação, o número de domicílios com TV, no país, mais que dobrou entre os anos de 1982 a 1995. Eram cerca de 15 milhões e hoje este número já ultrapassa a casa dos 34 milhões de domicílios. É ajChristina Musse: terceira idade ganha contornos de folclore na telinha. (Foto: Raphael Carvalho)udado pela televisão que as pessoas vão construindo seus valores próprios. Ela tem tanto importância na educação, quanto na questão do entretenimento. No entanto, uma discussão importante como à situação dos idosos é deixada de lado, na maioria das vezes. As inserções sobre o envelhecimento são escassas e se fazem de tempos em tempos.

Para a professora Christina Musse, do departamento de rádio e TV da faculdade de Comunicação Social da UFJF, a terceira idade ganha contornos de folclore na telinha. “Acredito que a TV ainda trate de uma forma um pouco mítica a questão do idoso, ou seja, ou a pessoa da terceira idade é apresentada como aquela que já está sem vida produtiva, ou de uma forma política, com a imagem do avô e da avó de uma cidade pequena”.

Esta influência exercida pela TV é logo percebida quando levantada à questão junto aos alunos dos dois núcleos em Juiz de Fora. Quase todos os idosos entrevistados citaram a novela de Manoel Carlos, “Mulheres Apaixonadas”, como exemplo a ser seguido. Há sete anos no Pólo, a professora aposentada Itamar Cerqueira, de 64 anos, está desacreditada no papel da TV. “A maioria das novelas é hipócrita. Elas não tratam o envelhecimento com naturalidade. Endeusam a juventude e o físico”. Já para dona Ivanilda, da oficina da AMAC, a novela é uma válvula de escape. “Eu admiro muito as novelas. Elas tratam da realidade, porque nossa vida é um teatro. Tem muitas coisas que a gente vê, pensando que é mentira, mas no fundo sabemos que é real”.

Os caminhos para a inclusão

O fato é que os meios de comunicação, de um modo geral, não contribuem para a construção social. Como veículos mediadores eles deveriam mostrar a diversidade das pessoas, construindo um mosaico de pensamentos. Hoje, cada grupo social tem suas peculiaridades, assim estes veículos teriam que dar cabo

A assistente social do Pólo do Envelhecimento, Josimara Delgado, acredita que a melhor forma dJosimara Delgado: inclusão por meio das políticas sociais. (Foto: Luiz Otávio)e se conseguir a inclusão é por meio das políticas sociais. “É muito difícil travar esta questão nos meios de comunicação, mas eu acho que devemos divulgar mais e promover mais cursos e palestras acerca do envelhecimento como uma coisa mais complexa do que vem sendo tratada. Trazer a imagem real do idoso para o centro das discussões”.

Por fim, a coordenadora executiva da AMAC, Maria José Sinhoroto, diz que para começar a promover a inclusão temos que, de maneira individual, encarar a realidade em nossa volta. “É feio usar o termo velho, mas é uma palavra recorrente, pois todos nós vamos ficar velhos um dia. Seja envelhecimento, idoso, terceira idade ou o nome que for, sempre devemos tratar a questão com respeito”.

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